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segunda-feira, 22 de julho de 2013

29 - Contos Duzara (2)

E aí galera da blogosfera e demais leitores, estou de volta com mais um texto que eu queria ter escrito há muito tempo. Ele é meio que cronológico com o último texto que eu fiz o "Mundo do medo - Escuro", só que dessa vez com uma fobia diferente. Então espero que aproveitem o conto e boa [e longaaaaa] leitura! f
Fiquem agora com uma ilustração bonitinha para incentivar vocês rsrs :3 -


                                                         Mundo do Medo - Claustrofobia




    Eu não sei como vim parar aqui, não sei mesmo. Passei a minha vida toda evitando esse tipo de situação devido a minha terrível fobia. Não gosto de retomar meu passado, ainda mais para um estranho... Mas é algo que é necessário trazer a tona para que você entenda a minha aterrorizante situação. Eu sou claustrofóbico. Isso se deve há muito tempo atrás, graças ao meu brilhante padrasto, que aproveitava a fraqueza emocional de minha mãe para tomar posse de tudo o que era dela, e para agredi-la fisicamente. É lógico que isso não tem nada a ver com a minha fobia, até o ponto em que o maldito decidiu me trancar no armário para que eu não fosse testemunha ocular do que ele fazia com minha mãe.
   Eu ficava horas trancado naquele armário escuro e apertado, tentando sobreviver naquele cubículo, enquanto meus músculos se contorciam e meu corpo suava em meio ao monte de roupas putrefatas jogadas às traças. E enquanto minha infância ia se perdendo lentamente ali dentro, minha mente voava para longe, na esperança de que tudo aquilo cessasse um dia. Depois que eu atingi a maioridade, me mandei e nunca mais vi nenhum dos dois. Embora eu sinta muito por minha mãe e pelo que sofreu nas mãos daquele bastardo, eu não estava mais nem aí para o que ia acontecer com aqueles dois depois de tudo que eles me fizeram passar. E agora era exatamente isso que eles representavam para mim: O passado, algo que eu deixei para trás... Porém a única coisa que ficou guardada daqueles tempos e que carrego comigo até hoje, é essa maldita angústia por lugares fechados.
  O que nos leva para o cenário atual. Eu moro em um prédio razoavelmente bom, graças a um emprego estável que arrumei com o tempo, porém a altura de meu apartamento não favorece nem um pouco ao meu trauma natural. Residindo no décimo sexto andar, era de se esperar que eu usasse um meio de locomoção mais prático, como um elevador certo? Errado. Apesar do puta trabalho que dá subir todos os degraus, me parece que meu medo grita sempre mais alto e apesar de todo o meu esforço em supera-lo, eu não consigo por um pé dentro daquele pedaço de metal.
   Então é previsível que eu tenha que adaptar a minha vida e remodelar todo o meu horário de trabalho por causa dessa maldita fobia. Tenho que sair mais cedo de casa para evitar atrasos, não loto a geladeira e nem deixo esvaziar, faço um balanceamento rápido da comida semanal, acumulo lixos para evitar viagens desnecessárias, não trago visitas em casa [assim como não saio muito dela também]. Por isso sempre levo comigo o que for essencial: telefone, dinheiro, cartão, caderno pra anotação, kit de primeiro socorros, canivete, e mais um par de coisas dentro da minha mochila. É isso mesmo que você ouviu, eu ando sempre com ela e não me separo nunca. Como podem ver, sou um homem tão precavido que meu pavor por locais fechados não me afeta quase em nada.
  Mas por algum motivo que eu ainda busco entender, eu ainda não tenho noção alguma de como eu vim parar aqui dentro. Na verdade suspeito, mas ainda é difícil lembrar-me do que aconteceu, e do tamanho do meu azar. Parece que as coisas aproveitam o seu momento de fraqueza para foderem com sua vida, como diz “A teoria de Murphy” ou algo assim. O que lembro é de muitos de meus colegas de trabalho me convidando para uma festa na casa do chefe: Churrasco, piscina, bebidas, mulheres. Uma oferta irrecusável para qualquer mortal.
   Admito que eu não fosse aceitar o convite, eu realmente não estava nem um pouco a fim de ir, mas por outro lado cooperar para um convívio pacífico com meu patrão podia fazer com que meu salário aumentasse o dobro e com a grana que eu economizasse, eu poderia finalmente me mandar desse apartamento e morar em uma casa ou em qualquer lugar que me desse mais segurança. Era um risco que eu deveria correr, então acabei cedendo. A festa em si foi enorme, e eu nunca pensei que meu chefe fosse tão descontraído. Tudo corria bem, até que por um deslize me deixei levar pelo momento, e abri uma garrafa. Foi ai que começou, veio uma após a outra, e de repente parecia que todos os meus problemas haviam sumido, junto com a minha razão e com meu equilíbrio também.
   Não aprontei nenhum vexame na festa, mas era melhor eu ir embora antes que surgisse tal possibilidade. Ainda não sei como consegui avisar aos meus colegas onde eu morava, mas tenho certeza que vim de carro até a entrada. O galo em minha cabeça lembrou-me claramente de minha moringa batendo no teto do carro, e também do meu tropeço em frente à calçada. Mas como consegui distinguir o prédio vizinho do meu, e como enfiei minha chave corretamente na porta do edifício? Ainda é um mistério para mim.
   Apenas flashes aparecem em minha cabeça dolorida neste momento: um convite no escritório, uma festa animada, latas e garrafas aparecendo na minha frente, uma carona, um carro quase virando na esquina, uma saída desajeitada, um tropeço no meio fio, um andar meio rastejado no hall do meu prédio, uma parada brusca em frente às escadas, uma breve espiada para o elevador, uma visão escurecendo... E um desmaio ao chão.
   Ah... Agora sim as coisas fazem mais sentido, eu perdi a consciência no meio do corredor do meu prédio, a pergunta agora é: Teria eu recobrado os sentidos e entrado na porcaria do elevador? Será que comecei a subir as escadas e por falta de equilíbrio caí os degraus todos perdendo a consciência? Ou seria isso tudo fruto da minha imaginação e poderia estar ainda em pleno sono no meio do chão do hall de entrada?  Disposto a descobrir isso, fechei meu punho com tudo e soquei bem no meio da minha cara. O que pude sentir foi uma dor latejante correndo desde a ponta do meu nariz até a minha nuca e depois no corpo todo.     Com a queda quase bati meu cóccix no chão daquele elevador. Foi uma péssima ideia, agora além de estar com o corpo todo dolorido eu tinha uma certeza: Aquilo não era um sonho, era um pesadelo que se tornou realidade.
   Com a visão um tanto embaçada tentei pressionar os botões um por um do térreo ao vigésimo sétimo, queria sair logo dali e esquecer tudo aquilo. Nada aconteceu, é como se estivesse sem energia no prédio inteiro, apesar das luzes do elevador ainda estarem acessas. Então apertei todos de uma vez só e comecei a soca-los, estapeá-los... E nada.  Foi quando olhei bem para acima de todos eles, e vi um botão vermelho com um sinal, me aparentava familiar... Seria aquele o botão de emergência?
   Não tendo nada a perder, mirei com um bocado de esforço naquele circulo avermelhado e desci minha mão em cima do mesmo.  Um chiado ocorreu, o cubículo de ferro tremeu... E apenas um som ecoou por aquele minúsculo espaço: TU...TU...TU...TU...TU...TU...TU...
- Isso... Não está acontecendo, não... Só pode ser brincadeira... – eu dizia perplexo.
   Fiquei parado suando frio por alguns minutos sem saber ao certo qual seria minha reação.  E foi quando eu encarei as quatro paredes que me cercavam, é que sofri um choque de realidade. A ficha finalmente caiu e tudo veio à tona, Eu estava sozinho e trancado assim como na minha infância... Mais uma vez.
    Decidi então andar em círculos, enquanto olhava os meus pés e tentava me distrair. Eu estava acanhado, me sentia perdido como uma criança que foi abandonada. Eu precisava me manter racional, eu necessitava ter noção do tempo... Isso! As horas eu tinha que saber que horas eram, coloquei as mãos no bolso a procura de qualquer objeto: um relógio, um celular, qualquer diabos que me dissesse as horas e os minutos exatos. Mas não achei nada: nem nos bolsos laterais, nem nos traseiros, muito menos no bolso do meu casaco... Não tinha nada, apenas um pouco de poeira, e um papel velho. Amassei-o e joguei-o no chão com muita raiva. Como eu poderia me manter calmo agora? Sem ter nada pra me trazer para realidade?... “A mochila, a mochila” eu pensei... É nela que esta tudo, nela está o que eu preciso. Eu coloquei as mãos nas minhas costas a procura de um objeto palpável de grande porte que servisse como guardiã dos meus apetrechos, ato inútil. Então fechei os olhos com força antes de praguejar algo inaudível... Ela não estava ali, eu fiquei tão desesperado com a situação que não havia notado que ela não se encontrava em minhas costas, e em nenhum lugar daquele cubículo. Pensando bem, em todas as minhas memórias pós-festa da noite anterior, eu não me lembro de estar com ela em nenhum momento.
     Belo dia de merda para se esquecer da mochila na casa do chefe, agora eu não tinha nada para ver as horas, nem chamar socorro, nem me entreter muito menos algo para me ajudar a sair dali, ou abrir aquela maldita porta... Ou será que não?
    Nas minhas condições atuais se eu continuasse ali eu iria pirar, poderia até desmaiar, embora eu não estivesse sentindo a tontura que eu sempre sentia nessa situação, era estranho... Para falar a verdade eu estava até mais forte [o soco na cara foi uma das provas disso]. Decidi usar isso ao meu favor, peguei impulso até a porta da frente e lhe apliquei um enorme chute em seu centro. A porta não parecia ser tão grossa, porém o resultado foi nulo... Além de não conseguir mexe-la, ainda gastei energias para nada. “Elevadores são verdadeiras gaiolas humanas” pensei.  E pressionado por toda essa falta de liberdade comecei a cambalear ao redor das paredes, tentava as empurrar para longe, eu dei voltas naquele quadrado varias vezes até parar em frente ao lado que possuía um espelho.
   Com as mãos apoiadas no meu reflexo olhei perplexo para minha face, ela estava pálida e chupada, parecendo um vampiro tirado de algum livro de terror. Abaixei minha cabeça enquanto a franja cobria meu rosto. Os pingos de suor deslizavam sobre minha face e caiam ao chão, meu corpo não aguentava mais aquilo. Então levantei-me e encarei bem aquela maldição. Sem possuir mais nenhuma alternativa, nem rota de fuga, e já com os meus primeiros indícios de paranoia, decidi que descontaria toda minha raiva naquele espelho. Serrei a mão e comecei a socar o vidro e chutar o mesmo. Com força... com muita força, os pedaços iam voando longe, quicavam nas paredes e iam ao chão. Atingiam meus braços e pernas, que começavam a sangrar, mas eu já não me importava mais eu precisava ver o que tinha por trás daquele maldito vidro... E depois de muito tempo golpeando, não havia mais nada. Apenas uma parede suja assim como as outras do elevador. Fadigado, meus joelhos já estavam se flexionando quando de repente uma voz começou a gargalhar ao fundo bem baixinho e depois começou a ficar alta, muito alta, estridente, Insuportável.
   Virei-me sem entender nada, e quando vi tal criatura me desequilibrei com o susto, por sorte estava perto de uma das pontas daquele cubículo e por isso não caí no chão em cima dos cacos, contudo senti uma dor enorme em um dos pés, era possível que eu tenha torcido um de meus tornozelos.
   A coisa que havia rido atrás de mim há pouco tempo, acabava de passar através da porta como mágica. “Ele” ou “ela” tinha a típica aparência de uma gárgula: suas orelhas pontudas, um par de chifres sobre sua cabeça, olhos vermelhos e vazios, um corpo meio escamoso e meio peludo que aparentava ser rígido como uma pedra, pernas humanoides que possuíam garras compridas que se misturavam com seus pés, e seus braços que eram colados em uma enorme envergadura de asas. Ele ficou ali parado grudado na porta me encarando por alguns segundos. Possuía um bico largo, porém serrilhado de dentes que agora sorriam para mim, a sua fileira tanto superior quanto inferior eram pontiagudas, maiores e bem mais numerosas do que a de um humano e estavam ensanguentadas como a cor de seus olhos. Ele soltou um berro mais uma vez e descolando-se da parede abriu seus braços e pairou no ar, vindo em minha direção dizendo:
- Olá mais uma vez, caro mortal! – gargalhava e gritava como se fosse um velho amigo.
 
   Sua voz por sinal era desconfortante: fina e grossa, rouca e nítida, feminina e masculina tudo ao mesmo tempo... Parecia a verdadeira voz do inferno.  Eu não podia ficar trancado ali com aquela coisa, precisava dar um jeito de escapar. Tentei levantar e ir me mexendo aos poucos para o lado, mas minha suspeita foi concluída: eu estava com o tornozelo machucado.
  E percebendo isso a criatura disse mais uma vez:
- Você sempre machuca o pé quando me ouve gargalhar MUAHAHAHAHA... – ele parou de rir por alguns segundos e me encarou sorrindo histericamente – É ridículo.
- SAIA DE PERTO DE MIM! – Eu gritei em uma tentativa desesperada de afrontar aquela besta
- Pare de gritar, vai apenas se cansar mais... huhuhu – a gárgula dizia enquanto girava no ar lentamente.
   No desespero olhei ao meu redor, havia os cacos de vidro ao chão. Abaixei-me com dificuldade peguei os maiores que consegui e mirando bem naquela maldita coisa voadora arremessei-os na esperança de leva-la ao chão. Os projeteis voaram em direção à gárgula com extrema velocidade. Alguns não chegaram nem perto e foram parar na porta, outros pegaram no teto, mas um em si foi em cheio, bem certeiro no olho da criatura... Mas ao invés da mesma gritar de dor e perder o equilíbrio, o que ocorreu foi o caco de vidro transpassando pela mesma, como se fosse um fantasma, e indo parar no chão junto com os outros pedaços.
- Você SEMPRE tenta isso HAHAHAHAHAHA é patético, você já devia saber muito bem que eu não sou material.. Ah acabei de lembrar que você nunca se recorda daqui não é mesmo? hihihi – concluiu.
- O q-que... Demônios é você? – eu disse gaguejando enquanto me ajoelhava lentamente ao chão.
- Para resumir os fatos, eu sou nada mais nada menos que sua indecisão, meu caro... – disse o monstro sobrevoando minha cabeça.

  Eu estava transtornado... Eu me encontrava agora sozinho e trancado em um elevador, do qual eu nem tinha certeza se era um sonho [apesar de toda dor que senti], e sem saber se estava em minha sanidade, tendo uma gárgula falante como companhia. De repente sinto um peso sobre meus ombros, e retomo a consciência viro rapidamente o meu pescoço para a esquerda e o que avisto é a gárgula novamente, porém dessa vez bem perto de mim e bufando na minha nuca, ela era muito mais assustadora de perto. Ela dizia:
- Hoje você está um pouco diferente do habitual mortal, não progredimos assim... Descanse um pouco agora vai, e lembre-se do seu auto sacrifício. Quando acordar não terá mais chances, terá que enfrentar o seu medo, e por um fim em tudo. Ok? – a criatura dizia essas coisas tranquilamente para mim.
- O que? Mas o que você esta dizendo, meu medo? Auto sacrifi..  – fui interrompido pela forte girada das garras e dedos humanoides da besta sobre minha clavícula, vi tudo embaçar, e desmaiei sobre o chão daquela caixa metálica.

   Abri meus olhos novamente... Demorei uns segundos para recobrar a consciência. Eu estava... Para meu desespero no mesmo elevador ainda. Junto aos cacos de vidro e ao espelho estilhaçado, sem gárgula dessa vez. Afinal o que ela quis dizer com auto sacrifício? Enfrentar meu medo? Eu estava desnorteado, mas por mais estranho que possa parecer não estava mais nervoso, nem dolorido. Apenas sentia a sensação de que havia uma coisa que eu tinha que fazer, por mais que metade de mim não fizesse ideia do que fosse. Aquele lugar parecia familiar para mim agora, e era isso que me dava medo.
  Fiquei sentado ali, parado por um bom tempo sem fazer nada, apenas olhando para o chão, lembrando-me de todas as memórias vividas, recordando cada fase da minha passagem no mundo, até chegar à minha infância. Foi aí que me levantei e me dei conta: Era isso então? Esse era o medo que ele dizia? Minha claustrofobia? Era isso que esse lugar tanto brincava comigo? Meu coração agora estava mais seguro e sentia-o pulsando no meu peito como no inicio, meus punhos se fechavam e eu sentia que estava forte como naquela hora do soco. Eu ia superar aquele medo, aquela terrível fobia por lugares fechados.
    Fitei o chão novamente e avistei o pequeno pedaço de papel que eu havia jogado fora. Sem nada a perder eu peguei-o e abri-o para ler, eu realmente não me lembrava dele e nem de como ele venho parar no meu bolso, mas nada disso importava agora. Quando botei os olhos no papel vi que possuía uma pequena frase que dizia: “A resposta esta em cima do seu nariz”.
    No começo pensei se tratar de uma metáfora, mas depois cogitei a possibilidade de ser uma frase literal. Olhei para cima por puro ímpeto e o que eu avistei foi à lâmpada, que antes não passava de uma iluminação para o elevador, e agora era a iluminação da minha vida, “a luz no fim do túnel”. Porque o que eu vi quando inclinei a cabeça foi um compartimento que poderia ser removido, em caso de emergência. Como não havia pensado nisso antes? A saída estava bem “em cima do meu nariz” mesmo. Respirei fundo, e aproveitando a minha altura natural, arranquei a luminária com as mãos, dando passagem ao compartimento que possuía uma trave, destranquei-o e empurrei sua tampa com certa dificuldade para fora. Foi quando usei a lâmpada que havia arrancado como apoio para os meus pés, e com um pouco de impulso fiquei suspenso no ar, agarrando a minha saída, a minha única esperança. Eu sempre tive os braços bem trabalhados, então não foi muito difícil puxar meu tronco para cima até que estivesse suficientemente alto para esticar a minha perna e sair daquele maldito elevador, mas o problema é que eu não sabia o que eu ia encontrar logo acima daquela saída. E foi nesse momento que fiquei ali no meio entre: O elevador, e a escuridão por trás daquele buraco. Então comecei a ouvir uma voz que disse:
- Vamos mortal, você tem que enfrentar o seu medo... Não me faça voltar aí MUAHAHAH – a minha indecisão ria descontroladamente.
  Então fechei os olhos com força e decidi subir.

  Quando eu estava ali em cima e abri-os de novo, eu enxergava muito pouco por falta de iluminação. Tentei esticar meus braços para me agarrar a alguma coisa, mas o único objeto que encontrei ao redor foram os cabos que seguravam o elevador bem abaixo de mim. Então decidi me levantar com tudo para me esticar um pouco, e desprevenido acabei batendo com minha cabeça em alguma coisa presa ao teto daquele local, que por sinal era muito baixo, a minha queda foi tão rápida quanto minha subida. E no impulso de tentar não cair lá embaixo naquele elevador novamente, me agarrei à tampa na hora em que me desequilibrava e empurrei com tudo para baixo com esforço, ela fechou-se com violência, e logo após isso cai por cima da mesma de mau jeito.
  Agora tudo estava escuro naquele lugar, tentei abrir a tampa novamente, mas ela havia lacrado com muita força e não havia como puxa-la pelo lado de cima. Que dia de sorte não é mesmo? Fui rastejando aos poucos, com medo de esbarrar no teto novamente, e não precisei engatinhar muito para me deparar com algo sólido. O problema é que encostei minhas mãos em algo plano e grande como uma... Uma maldita parede. Nessa hora minha espinha tremeu e meu coração parou, baixei a cabeça e implorei para Deus. Aquilo não podia estar acontecendo, eu comecei a tatear a parede e logo ela fez uma curva à direção oposta. Segui essa curva com dificuldade procurando por qualquer coisa que se destacasse naquele plano: Uma porta, botão, alavanca, janela, saída, qualquer coisa... Mas a única merda que a parede fez, depois de poucos metros, foi virar noventa graus para direita.  Só havia mais uma esperança, mais um lado daquele lugar escuro, que poderia não ser sólido e que me livraria do meu sufoco. Fui rapidamente até ele esticando o braço trêmulo, e a única coisa que meus dedos se depararam foi com outro amontoado de tijolos e cimentos. Foi então que me dei conta que eu estava provavelmente no último andar daquele prédio, em um pequeno e apertado espaço restante do poço do elevador sobre o qual eu me encontrava naquele exato momento, trancado mais uma vez. Sem luz, sem espaço, sem ar.
 Eu não tenho esquizofrenia, mas juro que estava começando a ouvir vozes, o ar estava ficando quente, é como sentir a sensação de ser enterrado vivo por engano. Comecei a rastejar ao redor da sala, dei varias voltas, centenas de voltas, meus joelhos doíam, eu não sentia nada além de sufocamento, e as vozes que agora ecoavam na sala inteira, ou seria apenas na minha cabeça? Não sei dizer, o que se sabe é que elas diziam milhares de coisas misturadas de difícil compreensão... Elas queriam me ver morrer. Agora eu estava entendendo tudo... O meu “auto sacrifício” era morrer naquele lugar, não é? Mas não era o que eu iria fazer! Comecei a chutar todas as paredes com toda minha força esperando quebrar elas de alguma forma, coloquei a mão pelo teto e fui procurando por algo que pudesse me ajudar: Qualquer abertura como um alçapão ou então um material pesado suficiente para quebrar as paredes.  Quando cansei me escorei novamente nos seis cabos que seguravam o elevador consegui ouvir nitidamente aquela voz do inferno que dizia:
- Tolo mortal, você nunca se lembrara de nada que fizer aqui! Apenas morra mais uma vez para completar o seu ciclo ou sofra pela eternidade nesse cubículo!  - A criatura grunhia aterrorizantemente dessa vez, e não soltou nenhuma risada.
    Eu tinha que continuar minha vida, não podia simplesmente acabar ali, cheio de dúvidas na cabeça, sem saber onde estou e porque deveria morrer. Que conversa é essa de eternidade? E o que é “aqui”? Porque nunca me lembro do que farei aqui? Minha cabeça começou a latejar muito forte, a tontura estava tomando conta do meu corpo.
   Então de repente é como se nada mais fosse relevante, e eu soubesse o que fazer e como fazer. Corri então até a ponta daquele aperto todo e procurei algo pelo chão, tinha certeza que encontraria algo ali naquele canto. Minhas mãos procuravam desesperadamente por um objeto, foi quando esbarrei em algo e peguei-o com ansiedade. Era um tanto pesado, mas possuía duas hastes que flexionadas, poderia cortar qualquer coisa, era um alicate e era dos bons. 
   Ao contrário do qualquer um pensaria, eu não ia arrancar meus dentes com aquilo e nem me acertar até desmaiar e morrer de hemorragia, aquilo não era Jogos Mortais. Eu apenas me dirigi até a única coisa que sustentava aquele chão maldito que me prendia ali em cima: Os seis cabos do elevador.
   Abri o alicate bem firme e enquanto segurava os cabos podia ouvir as vozes aumentando e afinando o tom, elas começaram a fazer mais ruídos do que sons. Não sei se elas queriam ou não isso, mas era o que eu ia fazer, por mais que eu morresse na queda eu precisava tentar.
  Quando coloquei o alicate na primeira corda, um barulho ecoou por todo o prédio, um tanto incerto eu fechei o alicate tirando a primeira corda da roldana. Quando coloquei a pinça novamente sobre o segundo fio e estava prestes a pressionar ao seu redor o som estridente das vozes parou, e o que eu ouvi foi mais uma vez a gargalhada da gárgula, terminei de cortar o segundo cabo enquanto pensava se ela estaria satisfeita com meu plano de fuga, ou se sua risada significaria que eu estava mais uma vez indeciso se isso era a coisa certa ou não a fazer.
  Parei uma pouco para pensar sobre o assunto, quando de repente senti o ar ficar abafado e rarefeito, os murmúrios começavam a voltar aos poucos. Então cortei o terceiro fio o mais depressa possível querendo evitar aquela sensação horrível novamente, e foi quando o elevador começou a pender para um lado e um rangido mecânico saiu de suas laterais, algo me dizia que eu não deveria contar com o aparelho de emergência para quedas. Segurei a quarta corda, e respirando fundo coloquei o alicate sobre ela, e a puxei com força. Essa foi a mais difícil de cortar, porém ao termina-la, comecei a sentir mais uma vez aquela sensação... Eu estava suando frio, era como se estivesse sufocando, estaria eu com febre? O elevador pendia cada vez mais para um lado só, enquanto eu ficava ali com apenas mais duas cordas para serem cortadas, meu coração pulava e meus nervos estavam à flor da pele.
  Então segurei a quinta corda e percebi que ela estava um tanto debilitada, segurei firme o alicate e cortei-a em um golpe só, após aquilo uma explosão de sentimentos correu sobre meu corpo. É como se o fio restante não fosse só uma conexão entre o teto e o elevador... É como se ele fosse, além disso, um conector de duas realidades diferentes, ou de duas escolhas diferentes.
  O sentimento era imensuravelmente complexo para ser explicado, mas tudo voltou de repente em um mal súbito. Enquanto eu segurava aquele fio, as tonturas, o sufocamento, as vozes, a falta de ar, a risada demoníaca da gárgula, o tremor no prédio, as paredes encolhendo, minha visão se embaçando, o desespero total, o verdadeiro sentimento de medo em sua forma original, nua e crua. Era o medo de não sair vivo dali e também o medo de continuar ali dentro... Medo.
   Então com muito esforço eu levantei meu braço, olhei para o mesmo, ele parecia estar sofrendo uma enorme pressão, por mais que nada estivesse encostando-se a ele, era uma luta interna e externa para continuar tentando, mas eu não podia desistir sem sair dali. Eu me agarrei firme naquele cabo e cortei-o com todas as minhas forças restantes.
   Quando eu vi o aço do fio se despedaçando na minha frente, tudo cessou por um segundo... É como se eu tivesse encontrado a paz interior, e de repente tudo passasse em câmera lenta pra mim, e apesar de agora eu estar em queda livre de encontro à morte, os flashes das minhas memórias eram constantes na minha mente: A minha série de romances mal resolvidos, a minha rotina de trabalho, o acidente de carro que eu tive certa vez, a tentativa de banda na adolescência, e todas as coisas importantes que afetaram minha vida de alguma forma, que definiram quem eu sou. Mas a ultima coisa que apareceu em minha mente e que permaneceu até o final foi visão de quando eu era apenas um garotinho, eu via garrafas espalhadas ao chão enquanto alguém me puxava pelo braço rudemente, e me levava até uma porta familiar, uma porta rústica de madeira, que me aguardava ansiosa e que provavelmente me veria muitas outras vezes. Via então uma mulher chorando ao fundo cobrindo o rosto, via uma chave abrindo aquela porta, e um empurrão para dentro da mesma. Um empurrão que traumatizaria uma pessoa, um empurrão para a escuridão, um empurrão responsável pelo maior medo da minha vida: o medo por locais fechados.
  Então eu voltei à realidade e percebi que estava caindo cada vez mais rápido naquele maldito poço junto ao resto dos cabos, e que o elevador já estava muito distante lá embaixo. Por mais que aquela caixa de ferro se mantenha intacta, não posso dizer o mesmo do meu corpo de carbono. Eu com certeza vou me quebrar em centenas de partes ao bater naquele elevador, as lágrimas escaparam pelo canto dos olhos e começaram a flutuar no ar, leves e soltas elas iam subindo e subindo deixando pra trás o dono de suas angústias... Eu não queria que tudo acabasse assim, por mais que eu não tivesse mais ninguém importante na minha vida para me despedir. “Eu só espero que cremem o meu corpo”, foram meus últimos pensamentos enquanto eu fechava meus olhos e soltava meus braços do meu dorso, eles finalmente estavam livres agora. Livres daquela pressão, daquele desespero, daquele encosto, eu voava como um pássaro que fugiu da sua gaiola, nesse caso da sua fobia.



  Abri meus olhos com dificuldade, minha cabeça doía e pesava como nunca na minha vida, olhei para o teto laranja familiar... Aquele era o meu quarto? Levantei-me e fiquei sentado na minha cama. Tentei me lembrar do que havia acontecido e onde eu estava, porque não me lembrava de nada da noite passada? Procurei no meu bolso por meu celular, e li as mensagens todas... Mas é claro, a festa do chefe! Havia bebido tanto que eu nem me lembrava de nada, ainda bem que os colegas que haviam me convidado me levaram até a porta da frente, mas como será que eu havia chegado a minha cama? Ainda era um mistério... Olhei para o despertador, levei um susto. Haviam se passado meia hora depois do que eu havia marcado para despertar! Desse jeito eu iria chegar atrasado logo no dia da revisão.
  Arrumei minhas coisas, engoli o café, e comecei a correr escada abaixo, enquanto descia cada andar ia me dando um mal estar. Eu havia tido um pesadelo aquela noite? Ou só um mau pressentimento? Não sei ao certo, mas não tinha tempo para ficar me perguntando sobre minha saúde naquela hora. Ao descer o último degrau procurei pelo Sr. Adalberto, o porteiro que fica na recepção para pegar as chaves e anotar os recados dos moradores. Olhei no depósito ao lado do corredor, dei uma olhada rápida para fora e nada. Decidi deixar minhas chaves embaixo do balcão junto com as outras, pois não podia perder mais nenhum minuto ali. Então me inclinei rapidamente sobre a madeira e pus meu braço em volta da quina para procurar pela prateleira que guardava as demais chaves. Quando achei um gancho para pendurar a minha, larguei-a ali mesmo e estava me virando de costas para ir em direção à rua quando avistei a porta do elevador.
  Ela estava parada ali como todos os dias, mas por um detalhe peculiar a mais... Dessa vez havia uma placa amarela enorme de manutenção no centro dela, e mais alguns avisos em uma folha branca na região inferior da porta. Eu fui andando em direção à porta de entrada do prédio, enquanto olhava para o elevador que ficava para trás aos poucos. Fiquei imaginando se aquele elevador estivesse estragado comigo dentro, senti um calafrio novamente enquanto saía para rua... É por isso que eu mantenho distância de lugares fechados.

Um comentário:

  1. muito bom amor, você escreve maravilhosamente bem, eu to adorando seus contos,parabéns <3

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